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Capítulo 21



Zander



Pilar termina de beber o licor e fecha os olhos, mantendo-se assim por alguns minutos. Sirvo-me de mais um copo, arriscando adivinhar a razão de sua expressão tão derrotada. Gostaria que ela dividisse o que a chateia, entretanto, como insistir que ela faça um pouco do que eu mesmo não faço.

— Quer dormir? — pergunto, fazendo com que Pilar abra os olhos.

— Quero te mostrar um lugar — ela se levanta com o apoio da mão livre. — É aqui na fazenda. Mas temos que andar um pouco, tudo bem para você?

— Minha perna é de aço — respondo, fazendo-a rir quando indico minha prótese.

— Vamos levar um cobertor, essa garrafa de licor, álcool e uma caixa com fósforos.

— E para que precisamos dessas coisas?

— Não sabe quais são os itens de sobrevivência na mata, soldado?

— Tenente — contesto, animado. Sigo-a até cozinha onde guarda a caixa com fósforos no bolso, depois me pede para ajudá-la a vestir seu casaco e jogar o cobertor em suas costas. — Eu sei quais são os itens e licor não faz parte — digo, pegando a garrafa que ganhei de Joaquim.

Desafiando a noite andamos por entre as oliveiras. Pilar tem os passos firmes e seguros, sabendo exatamente para onde ir. Acendo a lanterna do meu telefone para iluminar a passagem.

— Devíamos ter trazido uma lanterna de verdade.

— Com medo, soldado? Não, tenente!

— Não é medo, é prevenção — respondo, laçando sua cintura para beijar seus lábios.

Caminhamos por uma meia hora até chegarmos a um velho cercado de madeira.

— Esse é mesmo o fim da fazenda? — pergunto, surpreso.

— Não, é o começo. — Com o pé, Pilar empurra a madeira que tomba com facilidade, abrindo caminho para passarmos. Além do cercado não há oliveiras plantadas apenas uma relva baixa. Ergo o celular para iluminar adiante e vejo uma casa abandonada, a construção praticamente destruída.

— Esta é a casa que meus avós moravam quando chegaram na cidade. Foi aqui que Villa Oliva começou. — Pilar aponta para uma placa de bronze grudada na parede descascada. — Esta propriedade pertence à família de Manoel e Maria Castanheda — ela lê. — Quando eu era criança, minha mãe dizia que no futuro uma placa como essa carregaria o meu nome. Eu trabalho para isso desde que ela morreu, sem folga e sem descanso.

Pilar entra na casa. Clareio o que um dia foi a sala, o cômodo vazio e sujo é observado por Pilar com um semblante saudoso. Aproximo-me e ergo seu rosto, seus olhos sombreados pela pouca luz.

— Vamos lá para fora — diz, em meio a um sorriso fraco.

— Tive medo de me dizer que queria passar a noite neste chão — falo, tentando animá-la um pouco que seja. Pilar segura minha mão e transpomos a casa até os fundos.

— Vamos acender uma fogueira. — Ela indica uma estrutura baixa e redonda de pedra com alguns bancos ao redor.

— E a madeira?

Pilar aponta para a varanda com uma pilha de troncos.

— Será que tem algum bicho neles? Faz tempo que não venho aqui.

— Pode ter cobras, aranhas e até uma família de capivaras — aviso, entregando-lhe o celular. — Ilumina bem perto, vou tirar devagar.

Sem pressa, tiro uma a uma, se tiver algum animal entre as madeiras terá tempo de se esconder. Formamos uma segunda pilha e levamos para a estrutura de pedra. Habilidosa, ela coloca fogo em um dos troncos que se inicia tímido até se alastrar para os outros. Em poucos minutos, uma fogueira aquece e aclara a noite. Sentamo-nos num dos bancos, Pilar divide comigo o cobertor que estava dobrado em seus ombros.

— Você viveu nessa casa? — investigo ao notá-la confortada.

— Não, mas gosto de vir aqui de vez em quando... Olhar essa casa e ver como tudo começou me faz determinada a continuar o que planejei.

A pele de seu rosto cintila com a luz das labaredas. Não me canso de olhar para ela, não me canso de ouvir sua voz. Pilar é como um vício que me faz querer sempre mais.

— Você ama esse lugar? — Uma pergunta que nem precisaria de resposta, essa mulher respira e vive Villa Oliva e essa é uma das coisas que admiro nela. Essa vontade de crescer, de subir cada degrau. É parecida com a minha quando estava no exército.

— Por muito tempo Villa Oliva não era mais que o entorno dessa casa, ela cresceu ao longo das décadas. Mas só alcançou o tamanho que é hoje depois que eu assumi a administração. Eu respiro essas terras dia e noite, não só por mim e minha família, mas pelas outras tantas famílias que também dependem dela e do meu trabalho... Pensei que meu pai reconheceria isso... — Pilar murmura o final.

— Ele não reconhece? — ela meneia a cabeça em negativa. — Por que não?

— Hoje eu descobri que não. O que mais preciso fazer para mostrar que é o meu nome e das minhas irmãs que devem estar naquela maldita placa. O que tenho que fazer para ele entender que sou eu quem escolhe o homem ao meu lado. Que sou eu quem decide o rumo da minha vida.

Pilar muda o tom brando e triste que usara até agora para um mais audacioso.

— O homem ao seu lado? — repito suas palavras, então eu sou um dos motivos de sua discussão com Martim ou quem saiba eu seja todos os motivos.

Pilar toca meu rosto.

— É só uma maneira de dizer...

Aceito suas palavras, mesmo sabendo que são mentirosas. Ela junta seus lábios aos meus e me beija com urgência, como se estivéssemos à beira de um precipício ou à beira da despedida.

 
 
 

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