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Capítulo 24


Zander



Visto a prótese aquática e, embora ela seja mais rígida, permite que eu possa entrar no mar e andar por áreas úmidas com mais aderência e firmeza. Pina e Pietra me assistem com atenção, principalmente, Pina. Ela me faz várias perguntas. Busco respondê-la com naturalidade, ainda que seja difícil ter essa conversa com outra pessoa.

Meus pais e minha tia evitam falar sobre a prótese ou a amputação, é como se ambas não existissem, como se minha vida não tivesse virado completamente do avesso. Já essas meninas fazem o contrário, elas sabem, elas veem e não ligam que eu não tenha uma perna. Falam sobre isso, tiram suas dúvidas com tanta ingenuidade e doçura.

Começo a perceber que talvez seja essa a visão que devo seguir.

— Imagina se aparecer um tubarão e tentar morder sua perna? — Pina ri de sua própria piada antes mesmo de concluí-la. — Ele vai quebrar os dentes... — gargalha, sacudindo as mãos.

— Ele ainda tem a outra perna, Pina — responde Pietra, sem esboçar humor.

— Eu sei! Mas o tubarão vai preferir a perna que brilha, você não acha? — disputa ela, irritada que a irmã não tenha rido de sua piada enquanto aponta para a estrutura cromada da prótese.

Pietra revira os olhos.

Carregando cadeiras, guarda-sóis e uma caixa térmica com petiscos, sucos, água e cerveja, chegamos à areia. O mar à frente com suas águas calmas e claras nos saúda em aliança a um céu azul, ensolarado e sem nuvens.

— Podemos entrar na água? — Pina e Pietra imploram para Pilar que autoriza com um aceno de cabeça. As duas correm em disparada levantando areia com os pés.

— Fiquem no raso! — grita Pilar, abrindo um guarda-sol.

— Até o anoitecer ninguém me tira desta cadeira. — Amara se senta, ajeita seu chapéu e óculos escuros, abre uma lata de cerveja, enterra os dedos dos pés na areia e suspira depois de sorver uma golada de sua bebida gelada.

— Não acha meio cedo para beber? — pergunta Pilar.

— Não existe a palavra cedo quando estamos na praia. — Ela dá outra golada na cerveja.

Pilar ri da amiga espevitada e se vira para mim.

— Quer ir para a água?

— Vão, vão! Eu fico cuidando de tudo aqui. — Amara acena com uma mão, nos banindo para a água. Tiro a camiseta passando-a pela cabeça e jogo numa das cadeiras, ficando só com a bermuda. Faz tempo que não sinto o calor do sol sobre minha pele, é uma sensação boa e calmante. Pilar segura minha mão e caminhamos juntos em direção ao mar. Ela sincroniza seus passos aos meus, caminhando devagar sem se abater com minha condição.

Encaro seu perfil de relance, os cabelos brilhando sob a luz do astro. Sinto meus batimentos pulsarem com mais potência e meu corpo ser invadido por uma percepção diferente. Desde que conheci Pilar é assim, novas impressões surgem sem aviso. Eu sinto como se flechadas atingissem meu peito carregando para dentro uma nova informação, uma nova emoção.

— Aqui! — grita Pina ao nos ver. Ela corre e arremessa água em Pilar.

Eu nem me lembro de como é a vida fora desta água. É como se o mundo parasse, como se o tempo pausasse para que pudéssemos nos divertir sem que nada mais importe.

Por este tempo esqueço de tudo; da dor que sinto, da carreira que não tenho mais, da perna que me foi arrancada... Noto que não é diferente com Pilar, é visível que ela também deixou suas preocupações de lado. Além de nossas risadas, nada mais existe.





— Eu não quero ir embora — choraminga Pina no sofá. Ela deita sua cabeça em meu ombro e eu afago seus cabelos enquanto Pilar se ajoelha à nossa frente e diz:

— Prometo que não vou demorar tanto para trazê-las à praia novamente. Juro que nas férias ficaremos muitos dias e vocês vão aproveitar até enjoar.

— Nunca vou enjoar da praia.

— Nem eu — responde Pietra, sentando-se do outro lado.

— Ninguém vai enjoar e isso é ótimo, mas hoje precisamos voltar. — As gêmeas se levantam e caminham em marcha lenta, notadamente aborrecidas por terem de ir embora.

— E você, também vai reclamar para ir embora? — Pilar se aconchega ao meu lado com um meio sorriso.

— Só se você me abandonar aqui. — Deslizo os dedos por seu rosto sentindo o toque aveludado da pele bronzeada pelo sol praiano. Trago seus lábios aos meus e a beijo. Ela me recebe com desejo, nossos corpos queimam e não é pelo calor desta cidade. A vontade é levá-la para o quarto e postergar nossa saída, mas isto logo se mostra impossível quando Amara surge e pigarreia para se fazer presente.

— Desculpe por atrapalhar os pombinhos, mas preciso de ajuda para terminar de limpar a cozinha. — Rindo, nos levantamos e seguimos com Amara para deixar a casa em ordem.

No carro, Pina tem o rosto colado na janela assistindo o mar se distanciar.

— Tchau, praia! Eu vou sentir muita falta de você — choraminga Pina.

— Eu gosto da praia, mas amo mesmo a fazenda — argumenta Pietra.

— Você me ouviu dizer que não amo a fazenda? — As duas se encaram prontas para um embate que se dissolve quando Amara liga o rádio e a voz de Shakira volta a ressoar. Aprendi na vinda para cá que Shakira é a cantora preferida das gêmeas que conhecem e cantam todas as músicas. Ao que parece a cantora será novamente a trilha sonora no carro.

Pina e Pietra cantam animadas, elas duetam e criam harmonias.

Eu achava que meu trabalho nas forças armadas não tinha um só minuto entediante, mas descobri que com Pina e Pietra é assim também. Com a vantagem de que conviver com elas é muito mais leve e divertido.

As horas de viagem passam rapidamente com a alegria que emana de todos, Pilar sorri radiante, Amara brinca ora cantando com as meninas, ora criando charadas para adivinharmos. As meninas riem a maior parte do tempo e eu não estou diferente delas.

Por fim, chegamos à fazenda.

— Deixa o Zander primeiro, Amara — avisa Pilar, recuperando o aspecto angustiado de quatro dias atrás. Ao passar pela sede ela vira o rosto, provocando-me a desviar para sua casa. Meu olhar e o de Martim se encontram, ele estreita os olhos e é como se espinhos saltassem de suas órbitas e atravessassem minha carne com o intuito de ferir, dilacerar.

— Ele não sabia que eu iria nesta viagem, não é? — indago Pilar, entendendo o óbvio.

Ela apenas meneia a cabeça concordando. Amara estaciona, desço e retiro minhas coisas do carro. Pina e Pietra dormem apoiadas uma na outra. Pilar me acompanha até a porta.

— A gente se vê amanhã — diz ela, sorrindo contra meus lábios. Simulando que tudo esteja bem, mesmo que nós dois saibamos que não.

 
 
 

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