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Sem Destino - Capítulo 28

Zander



Longe da fazenda, os dias mudaram. Acordar e não coordenar a fábrica é difícil. Esboçar, planejar e atuar na obra se tornou importante e parte de mim. A ocupação era a escada que eu subia para a comprovação de que sou capaz de trabalhar fora das forças armadas, de ser um engenheiro civil e não somente o militar reformado por invalidez permanente.

O que faço agora é passar tempo no quarto ou me exercitando. Pilar é ocupada por tarefas inadiáveis e não viver na fazenda espaça nossos encontros. Seu pai deve estar feliz, de um jeito ou de outro, seu desejo de me manter longe de sua filha está acontecendo.

Meu telefone vibra, a imagem de Camile surge na tela, sento-me para a sessão.

— Bom dia, Zander! Tudo bem? — pergunta ela, animada como sempre. — Como foi sua semana? — Sua caderneta está a postos.

— Como sempre.

— Nenhum novo projeto, agora que terminou o trabalho na fazenda? — Ela sabe que saí da fazenda, o que não sabe e não vou dizer é que fui expulso de lá.

Nego com um meneio.

— Zander, não acha interessante voltar para que…

— Ainda não.

— Pensa ficar em definitivo na cidade?

Definitivo. Essa palavra não faz sentido, nada é definitivo e tudo pode mudar. Seja para melhor ou pior. No entanto, talvez eu deva começar a pensar num retorno. Como me fixar na cidade sem prosperar como profissional? Seria a confirmação das palavras de Martim, a confirmação de que não sou homem suficiente para Pilar. E embora eu possa me manter com o soldo de militar reformado, sei que é pouco para mitigar a hostilidade daquele homem.

— Estou aqui para te ajudar a superar obstáculos, Zander.

Cada sessão é de um jeito, em algumas eu não quero falar absolutamente nada, em outras me abro mais, em outras ressoou como um garoto malcriado e teimoso. Mas queria esquecer que elas só acontecem por conta da perna e da carreira que não tenho mais.

— Somos vistos pelo que fazemos, não é? — começo a dizer. — Quando alguém nos conhece, a primeira curiosidade depois do nosso nome é: O que você faz? No que trabalha? É assim que fazem o julgamento de valor de uma pessoa.

Camile demora um minuto ou dois antes de responder:

— O trabalho compõe uma parcela significativa na vida, mas… — Camile hesita por alguns segundos — O que está realmente me perguntando, Zander?

— Qual é o meu valor? As coisas se misturam na minha cabeça… eu não sei se meu valor é menor por ser diferente fisicamente ou por não ser um profissional renomado…, ou se as duas juntas me fazem…

Confuso, desvio o rosto da tela sem ideia de como me expressar corretamente.

— Seu valor não é menor por nenhuma dessas razões. Seu valor não é menor e ponto.

Solto um riso curto e desdenhoso.

— Sei que não gosta quando digo essas frases com uma pitada motivacional, mas é fato. Você é um engenheiro militar com a patente de primeiro-tenente, Zander. Isso é suficiente para não se sentir desvalorizado. É o que deve responder após seu nome.

— Você é minha psicóloga e não diz a verdade, espera que eu diga aos outros?

— Eu disse a verdade. Mas entendo seu ponto, as pessoas em geral não são fáceis de lidar, é natural que seres humanos se dividam em escalas na sociedade e atribuam uma pontuação a elas. Mas esse conceito cai com o reconhecimento de que nossa sociedade é uma engrenagem onde todos são essenciais para seu funcionamento. Entendo que a guinada que sofreu o faz partir do zero, mas você concluiu seu primeiro projeto de engenharia. Sua nova vida profissional nasceu e, a cada etapa desse crescimento o sentimento depreciativo que carrega irá desaparecer.

Defronto a tela do meu telefone. Camile sorri.

— Tente não pensar no que o futuro reserva. Viva um dia por vez — conclui ela.

Nossa conversa encerra pouco depois.

Deito-me com os braços cruzados sob a cabeça, penso o que vou fazer agora. Tem uma semana que estou longe da fazenda de Pilar e mesmo que Camile me diga para não pensar no futuro é só isso o que eu faço.

Meu celular ressoa com uma nova chamada. Um número que não conheço.

— Alô — digo.

— Bom dia, é o Zander? Engenheiro? — A voz do outro lado é doce e calorosa.

— Sim, sou eu.

— Meu nome é Catarina Mendes. Soube que você está fazendo as obras de ampliação em Villa Oliva e preciso de alguém para projetar uma área de filtragem e armazenamento aqui na minha fazenda. Não sei quanto tempo ainda para você terminar o trabalho nas terras de Pilar, mas se conseguir conciliar os dois trabalhos eu ficaria…

— Sim, eu posso — respondo, apressado.

— Ah, isso é ótimo! Quando pode vir aqui para a gente…

— Posso ir hoje, só me dizer a hora.

Ela me passa endereço e marca nosso encontro para às 16 horas.





Sem medir elogios à Catarina, minha tia dirige a caminho da fazenda Mendes. Eu a ouço com cuidado, ela dizia coisas parecidas de Martim, e minha experiência com ele não poderia ter sido pior.

— Ela é uma mulher maravilhosa, todos a adoram. Villa Oliva e a fazenda Mendes são as maiores da região. Agora com mais esse projeto no seu currículo seu trabalho será reconhecido por outros fazendeiros. Não vai te faltar trabalho, você verá. Não precisa se preocupar com as coisas horríveis que escutou de Martim, é ele quem perde de não ter você naquele obra.

Diferente de Villa Oliva, a entrada da fazenda de Catarina conta com um impressionante pórtico entalhado em madeira com os dizeres Bem-vindos à Fazenda Mendes. Tia Suria dirige pelo caminho de pedra com belas palmeiras nas laterais. A sede em vez de servir como moradia, é ocupada por seu escritório e uma loja repleta de produtos artesanais à base de oliva como: azeites, molhos e condimentos. Além de produtos de higiene e beleza tais quais: sabonetes, shampoos, cremes e óleos essenciais.

Imediatamente, recordo de quando Pilar me disse que queria transformar a antiga fábrica num lugar aberto à visitação com uma loja integrada, talvez tenha sido isso que ela pensava. Eu poderia projetar algo parecido com… Bloqueio o pensamento ao perceber que meu trabalho não tem mais valia naquelas terras.

— Vocês chegaram! — Uma mulher sorridente surge, ela tem os cabelos vermelhos como cereja e caminha de braços abertos até nós.

— Estava mesmo pensando em comprar um desses cremes de oliva que tem aqui. Sabe que nenhuma marca famosa supera seus produtos, não é? — diz minha tia ao abraçá-la.

— Sei que diz a verdade, Suria. Que não é só um elogio.

— É claro que digo a verdade. Eu jamais mentiria usando minha pele como desculpa. — As duas riem e se viram para mim. — Esse é Zander.

— Zander, o engenheiro. — Ela me estende a mão. — Um nome incomum e fácil de lembrar. Fiquei sabendo que a obra que projetou para Villa Oliva vai ajudar Pilar a triplicar sua capacidade de produção. Os microprodutores da região estão ansiosos pela conclusão.

— Sim, ela precisava ampliar consideravelmente sua fábrica.

— Suria, fica à vontade escolhendo os produtos, Joana vai te atender enquanto eu converso com Zander no meu escritório.

— Farei isso, e vocês conversem bastante. — Tia Suria acena com as mãos para que sigamos, ela está tão empolgada como no dia em que passei para o instituto militar de engenharia.

Catarina fecha a porta e aponta uma cadeira.

— Vou te dizer o que estou pensando e então me diz se é viável projetar.

Ela começa a me mostrar fotos aéreas de sua fazenda e me diz que o método que usa é semelhante ao de Pilar. Mas como tem um plantio diversificado é necessário construir uma manufatura para submeter seus frutos num processo produtivo distinto. Catarina me passa todo tipo de informação relevante, e eu rapidamente risco num papel o que poderemos fazer e assim alinhamos o objetivo.

— Vou projetar e apresento ainda essa semana pra você.

— Eu tenho um empreiteiro, não precisará ficar na fazenda todo dia, mas gostaria que acompanhasse o andamento da obra com algumas visitas. É possível fazer assim?

— É possível, sim. Posso fazer visitas semanais ou quinzenais e acompanhar as etapas sem a necessidade de ficar aqui.

Ela sorri e estende sua mão.

— Então estamos fechados.

Saímos da sala, rimos juntos ao ver tia Suria com o rosto completamente verde.

— Não riam! Joana está me convencendo a levar todos os cremes que têm aqui. E esse eu vou levar com toda certeza, já me sinto mais nova uns vinte anos. — Ela sinaliza o próprio rosto esverdeado.

No caminho de volta para casa, tia Suria não se contém e me faz todo tipo de pergunta. Ela quer saber como será o trabalho, se terei de ficar na fazenda e se penso me mudar para a fazenda Mendes como fiz em Villa Oliva.

— São coisas diferentes. Não preciso me mudar para cada fazenda que trabalhar, me mudar para… — respondo, evitando sua face por não saber ao certo como explicar a força que me atraía para Pilar mesmo antes de eu ter consciência.

— Ele diz, mas se mudou correndo para Villa Oliva — sussurra ela. — Mas então seu trabalho é só projetar?

— Posso projetar, executar e acompanhar. No caso de Catarina, vou projetar e visitar uma vez na semana ou a cada quinze dias. E é melhor assim, posso me dedicar a vários projetos ao mesmo tempo.

— Desse jeito, logo terá um escritório de engenharia na cidade. — Tia Suria tira uma mão do volante para dar um tapinha de congratulação em meu braço.

Recosto a cabeça no banco e, contrariando as recomendações de Camile mais uma vez, passo a imaginar que esse seria um bom futuro.



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Pré-venda do livro físico termina em 23/12. Não perca a chance de ter Zander e Pilar na sua estante.





 
 
 

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